É "natural" Rebeca Andrade deixar prova de solo

O ex-treinador de ginástica artística José Ferreirinha considerou este domingo “natural” que a brasileira Rebeca Andrade tenha abdicado das competições de solo, disciplina em que é campeã olímpica, devido ao impacto dos movimentos no corpo.
No ativo entre 1984 e 2024, ano em que acompanhou a pupila Filipa Martins em Paris rumo à uma inédita final lusa no concurso completo dos Jogos Olímpicos, o antigo técnico vinca que os impactos físicos das manobras de solo “representam 18 a 20 vezes o peso do corpo dos atletas”, o que tem consequências numa atleta que contabiliza cinco operações aos joelhos, aos 26 anos.
“Vi [a decisão] com muita naturalidade. Não é uma ginasta nova. Não é velha, mas também não é nova. (…) O solo, para quem tem lesões nos membros inferiores, é um aparelho violentíssimo. Compreendo muito bem a decisão. Excluir o solo, um aparelho que a massacra muito, parece-me natural”, refere, em declarações à Lusa.
Natural de São Paulo, Rebeca Andrade confirmou a decisão na quarta-feira, relativa a uma competição na qual superou a reconhecida norte-americana Simone Biles em Paris2024, Jogos Olímpicos em que conquistou ainda a prata no salto e no concurso geral individual, bem como o bronze por equipas, disciplinas em que vai continuar a participar.
“De cada vez que fazia um treino em situação standard, [a Rebeca Andrade] tinha de ficar dois ou três dias sem usar os pés ou as pernas, o que é complicado para uma atleta de elite, medalhada. Ela continua a ter três aparelhos em que é muito boa, com possibilidade de medalhas. Para não ter de deixar tudo, deixar apenas o solo não me parece nada mal”, acrescenta.
O ainda professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro recorda, a título de exemplo, o tempo passado com Filipa Martins, ginasta que terminou a carreira em 2024, aos 28 anos, com cinco operações aos tornozelos em mais de uma década de treino e competição.
“Nos últimos três anos, foi muito complicado gerir. Ela já tinha problemas nos tornozelos. Competiu em Tóquio2020 com alguma dificuldade, a treinar muito pouco o solo, por causa dessa dificuldade. Em 2022, fez nova cirurgia, porque continuava com problemas. Ver o dia-a-dia de treino de uma ginasta com essas mazelas não é nada fácil. É difícil para ela, mas para o treinador também”, esclarece.
José Ferreirinha lembra, aliás, que, em Paris2024, na terceira presença olímpica de Filipa Martins, a portuguesa foi incapaz de recuperar completamente entre a qualificação, em que foi 18.ª classificada, e a final, onde “competiu com os pés inchados” e foi 20.ª.
Além da confirmação de que Rebeca Andrade abandonou em definitivo o solo, o treinador Francisco Porath adiantou, na quarta-feira, que a brasileira não vai competir neste ano, ausentando-se do Campeonato do Mundo, em Jacarta, na Indonésia, marcado para outubro, antes de voltar ao ativo em 2026 para começar a preparar Los Angeles2028.
O antigo treinador de Boavista, Sport Clube do Porto, Castêlo da Maia e Acro Clube da Maia também vê a pausa de Rebeca Andrade com naturalidade, vincando que essa postura pode contribuir para reforçar o paradigma de “aumento da longevidade” entre as ginastas, havendo exemplos de quem consegue competir a “bom nível” aos 28 anos.
“Depois de um ciclo olímpico muito bem-sucedido, parece-me natural uma pausa. Tem margem para fazer isso. Em nome da longevidade desportiva, parece-me bem. É muito melhor que haja essas pausas e continuem do que, ou porque não aguentam mais ou porque entraram num limite, desistirem e nunca mais aparecerem”, ressalva José Ferreirinha.
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